
Eu sou alguém que cozinha com muito prazer -- e razoável sucesso no âmbito doméstico. Mas nunca fui de seguir receitas. Noventa e nove por cento das vezes, meus pratos são inventados no dia: quando estou fazendo compras no mercado ou mesmo diante da geladeira, no instante anterior ao início de seu preparo. Alguns viram hits privados e acabam sendo repetidos de tempos em tempos, sempre com pequenas variações já que não há registro escrito de suas receitas. Uns poucos são "cópia" de algo que comi fora de casa. Faço sempre, por exemplo, uma entrada com cogumelos e ovo pochet regados à azeite trufado sobre uma fatia de pão italiano torrado que comi há uns quatro anos no antigo Azaït, o melhor dos restaurantes de Issac Azar, hoje dono do badalado Paris 6. Fui como repórter da revista Época e entrevistei Issac e o chef francês Yann Corderon (hoje no L'Amitié). Mas Yann não me deu a receita. Aliás, eu nem pedi. Faço de nariz, assim como tem gente que toca música de ouvido. Claro, não deve chegar nem aos pés do original, mas é bem bom.
E, por que diabos alguém que não segue receitas decide fazer um blog justamente sobre receitas? Acontece que, por mais estranho que pareça, amo livros de receitas. Sempre gostei de livros e tenho muitos na minha casa. Mas, de uns anos para cá, dei para juntar livros de comida, bebida e assuntos afins. Já tenho uma pequena biblioteca em minha cozinha (foto), uns 200 volumes. São lindos, coloridos, cheios de fotos maravilhosas. Mas o fato é que, apesar de folheá-los com verdadeiro entusiasmo, ler as introduções (nem todas) e até aproveitar algumas ideias, esses livros acabam sendo belos objetos de decoração. Não nego que haja muitos romances e textos de teoria nas estantes da sala e do escritório que se encaixem na mesma categoria. Mas, principalmente no caso dos romances, li boa parte deles do início ao fim, alguns mais de uma vez. Contudo, se fiz uma ou duas receitas de todos os livros de minha biblioteca gastronômica, foi muito (amigos, por favor, não desistam de me dar livros de comida).
Sinto que, ali naquele canto que deveria ser a copa do meu apartamento, há um monte de conhecimento desperdiçado. Tenho livros de mestres franceses, como Bocuse, Ducasse e Boulud, de estrelas, como os ingleses Jamie Oliver e Nigella Lawson, compêndios e compêndios da Larousse, uma bíblia do The Culinary Institute of America. Com certeza, há muito o que aprender aí. (O que dizer de Ulysses, de James Joyce, ou a Paidéia, de Wener Jaeger, e tantos outros que esperam há anos nas estantes para talvez nunca serem lidos? Por enquanto, vamos cuidar dos livros de receita, depois...).
Já que eu queria fazer um blog sobre comida (todo mundo faz, por que eu não posso?), decidi testar receitas de livros, lançamentos ou antigos, e registrar isso. Como também adoro reunir pessoas, pensei em fazer dos tais testes eventos sociais. E, como tenho muitos amigos que gostam de cozinhar, achei que seria interessante haver um revezamento na lida com as panelas. As narrativas desses eventos, acompanhadas das receitas e dos resultados dos testes, formariam os posts principais e, entre um jantar e outro, eu poderia postar alguma reflexão surgida à beira do fogão ou lendo na cama. No fundo, acho que é tudo desculpa para dar festas, comer e beber (pretendo testar harmonizações com vinhos e outras bebidas). Nem sei se meus amigos vão topar. Imagino que vai dar muita coisa errada. Só espero não brigar com ninguém.
Aos amigos que se deram ao trabalho de ler este texto até aqui, eu convido para essa lambança. Prometo não tornar públicos bebedeiras e vexames, a não ser com autorização prévia e por escrito do bêbado em questão. De vocês, espero a mesma discrição a meu respeito em seus comentários.
Bom, essa é a receita do blog que deve começar a acontecer em breve. Mas é só uma receita. Muita coisa pode mudar na prática. Beijos para todos.