sexta-feira, 13 de agosto de 2010

DA IMPORTÂNCIA DAS COISAS NO UNIVERSO



Se eu não postar hoje, acho que não escrevo neste blog nunca mais. Está difícil. Estou trabalhando tanto que na hora em que vou blogar, o olho fecha sozinho. Mas resisti e agora acho que acordei. Tenho muito o que falar. Terminar a história do jantar do sul da França, contar como foi o teste das receitas. Mas, para isso, eu dependo em boa parte da Juliana e ela também parece estar trabalhando para caramba. Devia explicar direito porque não fizemos o almoço thai em outro dia. Mas não tem muita explicação, simplesmente, não deu. Meus horários, os da Cláudia e os da Carolina não bateram. Tem uma história de um festival de cinema e gastronomia em Pirenópolis que espero falar logo. E tem a Bienal do livro, que este ano tem todo um setor dedicado á gastronomia. Não falta assunto.
Mas quero falar de minha passagem pela Flip (para quem não sabe, Festa Literária Internacional de Paraty) no fim de semana passado. O que tem muito a ver com livros, mas nada com gastronomia. Mais uma vez, me dou ao direito de fugir da receita. Em oito anos de existência da festa, eu nunca tinha ido à Flip . Eu vou sempre a Paraty, alugo uma casa em Ubatuba que é do lado e conheço o Mauro, organizador do evento, desde a adolescência. Mas nunca tinha ido à Flip. No entanto, devo deixar claro: sempre tive vontade de ir. Só que as pessoas me diziam que parecia carnaval de Salvador. Isso desanima qualquer um que realmente goste de literatura.
Este ano, no entanto, não foi bem a literatura que me atraiu à Flip. Digamos que o que me levou a Paraty foi o meu côté mais junkie. A idolatria por alguns anjos decaídos. Aliás, as atrações principais desta oitava edição não eram o que se pode chamar exatamente de ortodoxas em termos de literatura. No sábado à noite, ou seja, no horário nobre, os palestrantes convidados eram o roqueiro Lou Reed e os cartunista underground Robert Crumb, criador do Fritz The Cat, um velhinho que (fiquei sabendo naquela noite) é tarado por bundas enormes, e Gilbert Shelton o criador dos Freak Brothers, os três maconheiros mais famosos da história, mentores de gerações e gerações de malucos. Como era no mesmo dia, comprei ingresso também para a mesa do poeta maraenhese Ferreira Gullar. Comprei esse ingresso porque eu me lembrava de, há uns dez anos, ler o seu Poema Sujo rapidamente a caminho do Rio de Janeiro para entrevistá-lo para a revista República. Lembrava de desembarcar no Galeão com aquela sensação de maravilhamento que só as grandes obras de arte nos dão, de estar com aquela vontade (que a gente costuma ter quando gosta muito de um livro) de falar com o autor e de achar mágico o fato de que eu realmente estava indo falar com o autor. Lembrava que a entrevista tinha sido ótima, quase tão emocionante quanto a leitura do poema. Mas era uma vaga lembrança. Como qualquer emoção, o embevecimento intelectual se apaga com os anos.
Sábado saí de Ubatuba com o Marcos e a Mariana, meu irmão e minha cunhada. Chegamos na hora do almoço e fomos direto para o Punto Divino, um italianinho bem bom na Praça da Matriz, encontrar com o Ivan e a Juliana. Cheguei, pedi um vinho, um nhoque, que fazia anos que eu não comia, e ficamos naquela coisa gostosa de uma tarde meio friozinha. Aí começou a dar preguiça. O Lou Reed é tão mal elemento que nem apareceu no evento. Então, eu tinha ingressos para duas mesas: a do Ferreira às 17h15 e a do Robert Crumb e do Gilbert Shelton às 19h30. A Mariana ia comigo à mesa da noite. O Ivan, que é amigo do Marcos de infância, estava ali a trabalho, cobrindo a festa para a Folha de S. Paulo. Marcos e Juliana também queriam ver os velhinhos cartunistas, mas não tinham ingresso. Comecei a me arrepender de ter comprado o ingresso para o Ferreira Gullar. Fora o Ivan, que tinha uma reunião, o povo ia continuar por ali, papeando. Todo mundo torceu um pouco o nariz para o Ferreira Gullar. "Meio chato...", "Essas coisas que ele escreve na Folha..."
Mas resolvi ir. Cheguei um pouco atrasada, me sentei e comecei a ouvir o poeta falar. Não demorou muito, para eu ir sendo tomada por aquela sensação de conexão com algo superior que a gente tem quando está diante da arte que nos toca de verdade. Ferreira Gullar não falou de nenhuma daquelas coisas que ele fala na Folha. Não falou de política. Falou só de arte no mais profundo sentido da palavra, do que leva os seres humanos a fazerem arte, de como a arte o toma, de como ele tenta, mas não consegue controlar essa relação. Leu trechos do Poema Sujo (veja vídeo abaixo) e de um poema de seu livro novo que sai este ano.
A noite foi legal, mas longe de ser memorável. Todo mundo conseguiu ingresso. Como eu disse (e como todo mundo está careca de saber), o Lou Reed não apareceu. A entrevista com o Robert Crumb e o Gilbert Shelton teve um sério problema: a participação da mulher do Crumb, que também é cartunista. A condição para ele participar do evento deve ter sido que aquela chata subisse ao palco. Pena! Mal ouvimos as histórias das doideiras da dupla nos anos 60. Shelton falou um pouco dos tempos em que todo mundo tomava ácido na redação do jornal e ele se mantinha "limpo" para conseguir desenhar os seus Freak Brothers (foto ao lado). Falaram de Janis Joplin, muito amiga de Shelton. Da notória preferência de Crumb por traseiros avantajados e de sua atual e, segundo ele mesmo, vexaminosa condição de pouco interesse no sexo oposto. Tudo muito previsível. O que valeu a pena mesmo, eu quase perdi por preguiça. A seguir, Gullar recitando um trechinho do Poema Sujo.




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