sexta-feira, 17 de setembro de 2010

MUDANÇA DE ENDEREÇO

Caríssimos, a partir de hoje, a minha cozinha mudou de endereço. Não físico, mas virtual. Este blog passa a ser hospedado no portal da TV Bandeirantes, o eBand.
Virou profissional, mas continuará seguindo exatamente a mesma receita. Ou seja, vai continuar bastante informal. Apareçam por lá, sempre vai ter algo no fogo:

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

NO MUNDO IDEAL



Vista do rio Itamambuca: paisagem e modo de vida caiçara são bem parecidos em Ubatuba, Cananéia ou qualquer ponto preservado do litoral de São Paulo


Como eu disse, no fim-de-semana após o encerramento da Bienal do Livro, eu queria testar receitas do livro À Mesa com Gilberto Freyre e pensei em, pela primeira vez, fazer mix, um prato de cada livro. Para acompanhar o feijão de coco de Magdalena Freyre, planejava fazer a tainha na grelha, por Seu Toninho, uma receita de um livro sobre a cozinha dos caiçaras de Cananéia que o Eduardo me deu há uns meses.


Cozinha caiçara, encontro de histórias e ambientes
Larina Vianna Ferreira e Layra Janckowsky
Editora Terceiro Nome

Como boa parte dos lançamentos e a maioria dos livros de gastronomia que me interessam, Cozinha Caiçara vale mais pelo registro de costumes e pela análise da cultura de uma determinada população que por suas receitas. É fruto das pesquisas das biólogas Larina e Layra, ambas doutorandas da Universidade Federal de São Carlos na área de Ecologia Humana. A partir de hábitos alimentares, modos de obtenção e preparo dos ingredientes em comunidades na região de Cananéia, as autoras traçam um perfil da cultura caiçara, presente em quase todo litoral brasileiro.
Cananéia fica no litoral sul de São Paulo. Nunca estive por lá. Mas a minha vida inteira convivi com essa mesma cultura no litoral norte do estado. Hoje a gente está vendo ela desaparecer. Para mim, tanto o desmatamento quanto o fim desse modo de vida são perdas pessoais muito grandes. Lá onde estou, entre Ubatuba e Parati, consegui encontrar um cantinho onde as coisas ainda estão razoavelmente preservadas. E eu gostaria que permanecessem assim. Então, nada seria mais coerente que tentar me integrar a esse modo de vida, não agredí-lo com meus hábitos da cidade grande, meu vício no mundo globalizado, minha necessidade de produtos "estrangeiros".
As receitas de Cozinha Caiçara eram, sem dúvida, as mais adequadas ao terroir em que eu me encontrava. Muito simples, elas dependiam de peixes, frutos-do-mar, produtos da roça, como arroz, feijão, mandioca e vez ou outra ingredientes industriais vindos de longe, como óleo de soja e molho de tomate em lata. Os ingredientes, na sua maioria, produtos locais. Senti falta de mais produtos nativos ou tradicionalmente cultivados no litoral , como taioba, outras verduras, ervas, frutos. Mas a cozinha caiçara é muito influenciada pela herança indígena. E os indígenas brasileiros, pelo que eu observei até hoje, realmente me parecem ter uma culinária pouco elaborada, com um número restrito de ingredientes.
Os peixes e frutos-do-mar eu poderia encontra no Mercado Municipal de Peixes de Ubatuba. Lá você compra direto dos pequenos pescadores e suas famílias aquilo que foi pescado no dia. É muito bom e o preço é bem razoável. Logo que eu aluguei a casa eu tinha mania de comer camarão daqueles gigantes todo fim-de-semana porque o quilo por lá custava metade que em São Paulo. No ano passado, teve lagosta a R$ 35 o quilo.
Horta, infelizmente, eu não tenho. Eu até que tentei. levei mudas e pedi que o jardineiro plantasse do lado de casa. Mas eu não estou lá todo dia e as plantas acabaram morrendo. Agora tem aquele montinho de terra, que eu chama de o túmulo do Tutancamon (não sei por que já que o túmulo do Tutancamon é uma pirâmide). Mas a maioria dos ingredientes é tão básica que dá até para comprar no Primata, o mercadinho de Itamambuca, mesmo. Dêem uma olhada na receita que pensei em fazer:

TAINHA NA GRELHA, POR SEU TONINHO

ingredientes
1 tainha
4 camarões brancos, previamente limpos e descascados
tempero a gosto
molho shoyo

modo de preparo
Abra a tainha pelas costas e limpe a barrigada. Tempere com alho, sal e ervas. Estenda os camarões sobre o peixe e regue com molho shoyo. Leve à grelha e asse dos dois lados, até que estejam bem dourados.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

ADEUS A UM ÍCONE

Há uns cinco anos, recebi um email de um tal de Paulo Martins me convidando para ir ao Festival de Gastronomia de Belém do Pará. Para mim, era um tal de Paulo Martins porque eu sabia muito pouco do que era importante no mundo da gastronomia naquela época. Já havia ouvido falar dele. Tinha entrevistado Alex Atala, que tinha elogiado muito o chef do restaurante Lá em Casa.
Essa viagem foi um marco para mim em vários sentidos. Do lado pessoal, fiz grandes amigos. Do profissional, ela me fez crer que escrever (e pensar) sobre comida era uma atividade que valia a pena. As duas coisas têm muito a ver com o estilo de Paulo, que reuniu naqueles dias algumas das melhores cabeças da cozinha brasileira.
Ontem Paulo morreu. Sinto profundamente.
Faz uns dois anos que ele já estava afastado do Lá em Casa. Tânia, sua mulher, e as meninas vinham tocando a casa. Não passei por lá desde então. Espero que elas consigam levar em frente o seu trabalho de valorização da culinária amazônica. Sei que, para isso e para o que mais for necessário, amigos não faltaram.





segunda-feira, 6 de setembro de 2010

LEMBRANÇAS DE GILBERTO FREYRE





Foto da casa dos Freyre, em Recife, capturada em meu celular enquanto eu lia o livro sobre o sociólogo e sua relação com a comida





Há duas semanas, como já contei anteriormente, depois de passar pela Bienal do Livro e sair carregada de livros de gastronomia, segui para a Ubatuba com a intenção de testar uma receita do livro À Mesa com Gilberto Freyre, da editora Senac. Embora não seja um lançamento, o livro foi tema de uma das palestras do salão "Cozinhando com palavras", a área dedicada à gastronomia, uma novidade da bienal deste ano. Como na prática a teoria sempre é outra, pelo menos no meu caso, acabei por não testar esse livro. Ainda. Porque pretendo um dia fazê-lo. Então, creio que vale falarmos um pouco mais do livro.



À Mesa com Gilberto Freyre
Organização Raul Lody
Senac - Fundação Gilberto Freyre


O livro é muito bom e as receitas são, no mínimo, interessantes. Todas de autoria de Magdalegna Freyre, mulher do sociólogo. São pratos que a família comia com frequência ou que Magdalena servia aos convidados do Solar de Santo Antônio de Apipucos, em Recife, por onde passou o melhor da intelectualidade brasileira e muitos pensadores e artistas estrangeiros também. Na noite em que cheguei em Ubatuba, fiquei até de madrugada lendo os artigos que acompanham o caderno de receitas de Magdalena.


Gilberto com Magdalena e os filhos, em Apipucos

Além da apresentação, há cinco artigos, um mais acadêmico, do organizador do livro, o antropólogo Raul Lody, e os outros quatro extremamente emocionais: de Fernando de Mello Freyre e Sonia Freyre, filhos de Gilberto; de Lêda Rivas e Marly Mota, amigas da família. Gostei especialmente do texto da Marly. Sem nunca deixar de lado o seu jeito de grande dama da sociedade, a pintora consegue transmitir com enorme sutileza um mundo do qual hoje só restam resquícios. O mundo no qual um intelectual conseguiu ver a importância dos pequenos gestos da cozinha, fosse ela uma cozinha preparada para receber ministros como a sua ou uma cozinha simples de um trabalhador rural. O relato que me emocionou. O texto me transportou para Recife, também em Casa Forte, mas em outro solar, igualmente importante, a casa de Ariano Suassuna, onde em 1999 o entrevistei. Pela descrição de Marly Mota a casa do sociólogo me pareceu com a memória que tenho da casa do escritor, com seus azulejos azuis e brancos.
Devo confessar que não sou grande amante da culinária nordestina. Pois não gosto de manteiga de garrafa e não sou muito amiga de charque. Mas Magdalena era uma mulher cosmopolita e há receitas de todos os tipos. O interessante, no entanto, seria testar algo regional. Então, pensei no feijão abaixo, que eu combinaria com a Tainha na grelha, do livro Cozinha Caiçara, do qual falo em seguida.

FEIJÃO DE COCO

1 kg de feijão mulatinho;
1 coco pequeno;
cheiro-verde a gosto;
tomate, cebola, azeite.

Cozinhe o feijão sem sal, sem deixar que o grão fique aberto. Escorra e reserve. Tire o leite do coco. Pare o feijão no liquidificador com um pouco de leite. A seguir, coloque na panela o feijão com o leite, o tempero verde, tomate, cebola, uma colher de sopa de azeite e sal a gosto. Mexa até engrossar.

quinta-feira, 2 de setembro de 2010

COMIDA E ARQUITETURA III

Por enquanto, vou parar de falar do jantar do sul da França. Volto quando houver necessidade. No dia em que eu for publicar a tradução das receitas. Vamos continuar com a série Bienal. Como eu já contei, domingo retrasado eu fiz um teste da receita de Boeuf Bourguignon do livro Sabores da Borgonha, de Emmanuel Bassoleil, em Ubatuba. Foi um micro evento: só eu e o Eduardo. Esse jantar aconteceu na casa em que eu alugo do Edu. O Edu (Eduardo Martins de Mello) foi colega de minha irmã no colégio. Desde que ele se formou na FAU, logo no início de sua carreira, eu gosto muito de seu trabalho.
Há uns seis anos, fui visitá-lo na casa que ele havia construído em Itamambuca, onde estava morando na época. Fazia anos que a gente pouco se falava. Fui porque queria ver a casa. Era pequena, com cara de chalé na praia e, ao mesmo tempo, cheia de referências à arquitetura moderna.
Anos mais tarde, eu encontrei com o Eduardo no Ritz. Ele me falou que tinha construído mais uma casa em Itamambuca e que pretendia alugá-la por ano. Mais que rapidamente, eu me candidatei.

É uma casinha super pequena, um loft de quase 50 m2, super charmosa. Sei que sou suspeita para falar. Mas não sou só eu que acho. Há uns meses, foi um pessoal da revista Arquitetura & Construção lá fotografar a casa e, esta semana, ela saiu na capa do especial Chalés e Casas de Madeira. Por enquanto, não encontrei link da matéria na internet. Deve aparecer. Enquanto isso, quem estiver curioso pode comprar a revista. Eu até dei entrevista. Mas, aviso, é bem cara: R$ 28.

COMIDA E ARQUITETURA II

Como eu disse, há um milênio, quando comecei a falar do jantar do sul da França, naquela noite o tema paralelo à gastronomia foi arquitetura. Surgiu naturalmente. A Juliana mora em um prédio do Rino Levi. Paulistano, descendente de italianos, nascido no início do século XX, Levi foi pioneiro e um dos principais nomes da arquitetura moderna na cidade. Em 1936, ele já fazia prédios de linhas retas, formas limpas. Ele é autor dos projetos do Cine Ipiranga e do Teatro Cultura Artística. O prédio da Ju é do fim dos anos 50, muito bacana.
Entre os convidados, havia dois arquitetos, o Eduardo, o meu senhorio de Ubatuba, e a Flávia, mulher do Fran, primo da Ju. No apartamento em frente ao da Juliana, mora o Beto, filho de outro grande arquiteto paulista, o Joaquim Guedes, professor da FAU. Segundo o Edu me contou naquela noite mesmo e depois eu conferi na internet, Joaquim ficou bastante conhecido por um projeto para o plano piloto que participou para a concorrência da contrução de Brasília.
O Beto também era convidado. Ele foi meu chefe anos atrás na Folha de S.Paulo. Quando a Ju mudou para lá, há pouco mais de um ano, nós nos reaproximamos. A gente se encontra sempre no Bar Balcão, de onde ele é sócio. E os dois, incitados pela minha pessoa, há tempos falavam de fazer uma festa de portas abertas. Foi o que acabou acontecendo.
O apartamento dele foi de seu pai, que morreu há uns dois anos. Virou uma excursão. O Edu e a Flávia tinha sido alunos do Guedão, como ele era conhecido no meio, e ficou claro que tinham uma admiração muito grande por sua obra. O Eduardo diz até que tem bastante influência do Joaquim Guedes até hoje em seu trabalho -- esta semana saiu uma reportagem em um especial da Arquitetura & Construção sobre a minha casa de Ubatuba (vou fazer um post daqui a pouco juntando com a história do teste do livro da Borgonha, que aconteceu lá na semana passada). No caso do apartamento, ele fez duas coisas muito interessantes, descascou tudo e deixou só no concreto (eu adoro prédio e casas de concreto aparente) e subiu o piso, o que valorizou muito a janela (que já é ampla) e a vista (espetacular do Jardim Europa).
Enquanto estivemos lá, a Ju ficou na cozinha, coitada. Quando voltamos, ela já estava um pouco em pânico. Eram 23h e o primeiro prato não tinha saído. Tinha a anchoïade, que é aperitivo, umas castanhas, uns tremosos para ir engando a fome da galera. E o vinho continuava rolando.

terça-feira, 31 de agosto de 2010

UM POUCO DE PRÁTICA

Antes de qualquer coisa, vamos dar um encerramento aos posts do jantar do Sul da França, que já aconteceu há mais de dois meses. Encerramento não é bem o termo, porque posso (e vou) voltar ao tema algumas vezes. Mas farei uns dois ou três posts finais contando o desfecho da noite. Só aquilo que é publicável, é claro! Os amigos podem ficar sossegados.
Em algum momento, eu disse que o único prato que eu tinha feito havia sido a trilha. Isso não é de todo verdade. Como prova a foto, eu dei uma mãozinha no preparo da anchoïade. Para quem não lembra, naquela noite, na casa da Juliana, o cardápio era fougasses aux olives (pão de azeitona), anchoïade (patê de anchovas), tchektchouka (pimentão e tomate refogados), boullaibaisse (sopa de peixe) e rougets de roche en feilles de vigne (trilha em folha de uva).
Como eu disse, o grande erro da noite foi não tirar as espinhas da trilha. Mas o livro não falava nada a respeito. Também já contei que eu tomei um tantinho de vinho das 19h até de madrugada. então, algum dificuldade que a Juliana possa ter tido talvez tenha me escapado. Aliás, ela tem escapado é de traduzir essas receitas e comentar direitinho como foi realizá-las. Mas o principal, acho que eu sei:

Erro número 1: Deixamos para comprar a farinha de grano duro que vai nas fogasses na tarde em que íamos prepará-las. eu só cheguei com a tal farinha às 19h.

Conclusão: Desistimos de sequer tentar fazer esse pão. A farinha está lá. Falamos toda hora em retomar o teste.

Erro número 2: Depois de algum debate, chegamos à conclusão de que as anchovas, por não serem secas e salgadas, como mandava a receita e, sim, em óleo, não precisavam ser dessalgadas. Achamos até que devíamos usar parte do óleo em que ela é conservada.

Conclusão: A anchoïade ficou muito forte, gostosa, porém forte. Pedi, então, que a Ju batesse uma maionese, o que, segundo ela, atrasou ainda mais o jantar. Quanto á anchova Beira-Mar, vale comentar que, apesar de nacional e razoavelmente barata, ela era bem boa. Foi comprada no Mercado de Pinheiros no Entreposto da Feijoada.

Erro número 3: Tanto no momento das compras quanto na hora de servir, esquecemos que a tal da anchoïade era acompanhada de crudités (cenoura, pepino, rabanete, aipo crus).

Conclusão: O equilíbrio do jantar ficou prejudicado. Faltou algo fresco.

Erro número 4: O pré-preparo dos vários pratos de uma refeição deve ser feito ao mesmo tempo, segundo a urgência e possibilidade de antecipação de cada procedimento. No caso da tchektchouka, deveríamos ter grelhado os pimentões à tarde, antes de começar tudo. No caso da trilha, eu podia ter decapitado, limpado e enrolado os bichinhos logo que cheguei. Mas acho que a Ju preferia não ver esse espetáculo.

Conclusão: O jantar saiu na hora em que saiu: o último prato, às 2h.

Erro número 5: Esquecemos de fazer o molho da trilha.

Conclusão: Ninguém notou, porque tinha tanta espinha que esse era o menor dos problemas.

Críticas ao livro, a minha principal é em relação ao fato de não avisarem que é fundamental tirar um milhão de vezes todas as espinhas da trilha. Talvez a Ju tenha alguma outra.